terça-feira, 25 de outubro de 2011

Rima

E entre eles havia um em especial, um tipo indiano que cumpria a função de garçom durante as tardes, já que as manhãs eram gastas no sono depois de passar as noites servindo as damas solitárias ou os rapazes curiosos em descobrir os prazeres que a mesma carne pode lhes proporcionar. Chamavam-no, os outros, de Rima; talvez por conta da forma especial que pronunciava os "rs": "senhorrrr, precisa de algo mais, senhorrr?". Os outros todos não me atraiam a atenção, eram demasiado comuns, e nas suas organizadas vestimentas, palavras polidas e sentimentos puros, desapareciam entre si.

Rima destoa. Sujo, cutuca o ouvido com o mesmo palito usado para tirar as sobras do almoço de entre os dentes, depois o lança ao chão e cospe de lado, na calçada, enquanto admira os cartazes de filmes pornôs do Cine Ideal. Fala sem mínimo de consciência - como se vomitasse as palavras. Como se elas não passassem pelo cérebro antes de vir a publico.

Eu o observava todas as tardes e noites, exceto quando meu oficio de amolador de tesouras me tomava à atenção. A propósito, permita apresentar-me, Arlindo Maria, seu criado. Datilografo de formação, amolador por necessidade. Nascido poeta de rua como meu pai, morto "de nada" aos 99. Com ele aprendi duas coisas: primeiro, o poeta de rua precisar ter o dom da observação, o dom de "saber-enxergar-os-outros"; segundo, conseqüência natural do primeiro: não pode sair da rua. Por isso eu viajo e observo, escrevendo e amolando.

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