quarta-feira, 20 de junho de 2012

Vazio


Baseado na musica “Minha história” de Chico Buarque.

Com os olhos fixos no horizonte vazio, esse homem rústico, operário do mar, a encontrava na lembrança do porto, com as duas mãos para o alto sem saber se dizia adeus ou “não vá”... Aportava poucas vezes e sempre se entregava a esse amor sem descanso. Pouco conversava, quase não havia palavras em seu mundo, um mundo de ouvido. O mar era seu chão firme, a agua, sua terra, e ele não se demorava por aqui. Sentia-se seguro fitando o horizonte vazio, seco de palavras, com ela na lembrança.
Ela ficava olhando longe, longe... O mesmo mar. Sozinha, oca de pensamentos, muda em si. Seu velho vestido de viscose, presente dele, usado mas pouco puído, estava ficando curto, era o corpo que crescia, era o grão dele que crescia. A esperança da sua volta, e a certeza de sua curta estada, fazia com que ela ficasse ali, parada, sentada na pedra do porto, numa espera fútil.
Quando nasci ele não estava nesse mundo, como sempre. Nem no dele. Deve ter partido para o horizonte – vazio...!
Ela me enrolhou em uma espécie de manto, e como não sabia o que fazer, nem comigo nem com ela, me ninava cantando “Ronda”. Realizou, em seus abismos internos, que eu era um tipo de santo, uma criança que surgiu do nada. Confidenciou-me ser a Imaculada, e eu o menino Jesus. E assim me batizou.
Hoje trabalho no mar, não olho o horizonte, evito lembranças. Quanto aporto, vou de bar em bar, me embriagar, às vezes urro, às vezes brigo. No bar me sinto seguro, ao lado dos ladrões, dos loucos, dos infelizes. Companheiros de copo e de destino. Todos, como eu, cumprindo sua sentença, caminhando em direção ao vazio.

Nenhum comentário: